quinta-feira, dezembro 07, 2006

Aquisição de Linguagem

Há poucas semanas atendi um novo aluno na escola. Deve ter aproximadamente a minha idade, não sei exatamente o que faz profissionalmente, mas sei que trabalha para uma multinacional e por isso foi obrigado a mudar-se de sua terra natal para residir em Blumenau e atender essa região.

Tudo indica que ele não gosta de viver aqui, acha a cidade pequena, mora sozinho, mantém contato com seus clientes a partir de sua casa e só os visita com horário marcado. Além de tudo isso, deixou uma namorada para trás e acredito que o relacionamento não esteja indo tão bem devido à distância. Também sei que torce para o time de futebol local, tanto que até a camisa desse time ele traz no corpo às vezes. Com tantos motivos para realmente querer voltar à sua cidade, se esforça para manter o emprego e então receber a promoção merecida que o enviará de volta ao Rio Grande do Sul.

Simpatizamos um com o outro desde a primeira aula e desde então ele se recusa a ter aula com qualquer outro professor. Inclusive aproveitou certa oportunidade para me elogiar na secretaria da escola, o que me deixou de certa forma em uma situação embaraçosa diante de meus colegas, pois ele não só me elogiou como desfez do trabalho dos demais, o que não me traz muito mérito. Elogio seria se entre todos os bons, eu fosse melhor ainda, mas isso também é aspirar demais.

O fato é que meus colegas de trabalho não são maus professores, muito pelo contrário, são todos excelentes profissionais e como eu, fazem tudo o que podem para realizar um bom trabalho. Eu sei disso pois vivo a mesma situação que eles todos os dias, e todos os dias encontro alunos que me amam e outros que me odeiam, fato que julgo ser muito normal.

O que acontece e esse aluno talvez não tenha entendido, é que não foi a maneira como meus colegas o assistiram que foi falha, mas sim, a empatia entre eles. A psicologia sugere que a aquisição de linguagem de qualquer ser humano está ligada com a relação afetiva. Tendo esse caso por exemplo, eu tentei buscar mais informações sobre o assunto e ainda não encontrei todo o material que preciso para satisfazer meu interesse a respeito, contudo encontrei algo mais que também achei relevante como professora de uma língua estrangeira.

Em sala de aula, tenho me deparado com os mais diversos tipos de alunos. Alguns com extrema facilidade, outros que dominam apenas um dos quesitos analisados, que são oralidade, escrita, leitura e audição. Há alunos que falam muito bem, escrevem muito bem, ouvem muito bem, mostrando que seu cognitivo está realizando uma função básica de seu cotidiano. Outros alunos, porém, demonstram uma imensa dificuldade quando se sentem expostos, não pronunciam palavras com clareza e muitas vezes não conseguem emitir o som do fonema apresentado à eles.

É uma atividade complicada lidar com uma sala que não tem um nível de aprendizado homogêneo, mas tenta-se fazer o melhor. Todavia, essa questão da dificuldade de pronúncia está latejando na minha cabeça. O livro de psicologia que tem me servido de apoio revela que todos nós, até reproduzirmos nossas primeiras palavras, emitimos os sons de todos os fonemas possíveis no mundo. Isso acontece naquela fase em que babamos até dizer chega, sorrimos sem motivos aparente e passamos horas “contando” coisas que ninguém entende. A partir de um ano de idade, começamos a produzir nossas próprias palavras e a exposição que sofremos em determinado meio acaba por caracterizar o idioma que dominaremos. É então, que na maioria das vezes, seguimos apenas nossa língua mãe, esquecendo de todos aqueles outros fonemas que podíamos produzir com igual domínio. Crianças que vivem em um meio bilíngüe podem desenvolver a fala um pouco mais tarde, porém, seu entendimento é o mesmo.

Nesse momento da vida, em que uma criança se mostra tão dependente de um adulto, que é geralmente a mãe, é natural que ela desenvolva a oralidade com maior sucesso com essa pessoa, pois além de amor, ela transmite segurança e confiança. Assim também foi com meu referido aluno. Desde o primeiro momento, algo que me chamou muito a atenção foi a maneira como se portou diante de minha presença. As aulas que ele freqüenta são ministradas em uma espécie de laboratório, onde há cabines individuais, que permitem ao aluno ter um atendimento totalmente diferenciado e personalizado, que busca suprir as necessidades específicas de cada um.

Notei que o aluno escolheu a cabine mais próxima da parede, porém não percebi se essa era a única disponível no momento de sua chegada. Ele fez todos os exercícios orais e escritos que deveria e quando finalmente fui assisti-lo, ele simplesmente virou a cadeira para o lado da parede e virou seu corpo parcialmente em minha direção. Tinha um olhar desconfiado, desafiador e intimidado.

Ao final da aula, obtive um resultado positivo: ele havia gostado da aula e tentaria agendar suas aulas somente comigo. A escolha pela cabine próxima da parede tem se repetido consecutivamente, porém algo mudou. Exatamente sete aulas depois, ele parou de virar a cadeira para o lado e finalmente se sentiu corajoso para fazer uma aula toda olhando diretamente para o movimento dos meus lábios, decorando o que deveria saber na sua vez de pronunciar o que lhe pedia. Ainda com dificuldade, eu percebo seu crescimento, melhora e empenho, o que apenas comprova a afetividade relacionada com o aprendizado ou pelo menos, com a vontade de aprender.

Todavia, ainda não descobri porque é tão difícil de conseguir emitir sons que nosso instrumento vocal já produziu, mesmo que esses tenham feito parte de um passado distante. A reprodução de sons já conhecidos e realizados por nós de produzir deveria ser mais fácil.

Termino aqui, expressando minha felicidade mais sincera em saber que alguém pode desenvolver um pouco mais do que acreditava porque confia, acredita e admira meu trabalho.

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