
Hoje é quarta-feira de cinzas. O bom é que alem de ser de cinzas, ela nao e cinzenta. Muito pelo contrario, esta um dia lindo hoje. O ruim e que nao sei como, consegui desconfigurar a linguagem do computador e me incomoda nao ter meus acentos postos em seus devidos lugares. Talvez eu devesse digitar em ingles, que nem tem acento... Mas nao estou com vontade. Quero falar so a minha lingua.
E quero voltar a usar meus pes como costumava... Falta uma semana para que eu tire o gesso. Terao sido 34 longos dias de experiencia. Acho que mereci isso, por varias razoes. Quando crianca, invejava as criancas que iam engessadas para a escola. Nao muito porque eu quisesse sofrer um acidente, mas por ver todas elas com seus gessos repletos de assinaturas, que na minha cabecinha ingenua, significavam amigos... Com o tempo, passei a perceber que amigos sao mais que assinaturas em nossos gessos ou camisas de uniforme escolar. Alias, colecionei camisas assim por muito tempo. A fase da inveja passou e eu pensei que tivesse passado a chance de ter qualquer parte do meu corpo quebrada, salvo em acidentes de carro, os quais sempre temi. Curiosamente, consegui quebrar meu pe caminhando... Com um pouquinho so de pressa e um bom descuido, virei meu pe num tamanco desconfortabilissimo que habitava minha casa ha muitos anos. O resultado foi um tombo fenomenal. Mais fenomenal ainda foi a rapidez com a qual me levantei, afinal estava na frente de meu trabalho e provavelmente algum aluno engracadinho se aproveitaria desse momento para fazer piadinhas se eu nao fosse rapida o suficiente. Mas eu ganhei! Quase que instantaneamente eu ja estava dentro da escola, com o mesmo tamanco no pe. Dei algumas aulas e quando percebi, o pe estava roxo e inchado. Uma vez ja havia machucado assim, curtindo a noite na Vision, uma danceteria brasileira no suburbio de Boston. Dessa vez, porem, aceitei alguns conselhos e fui a uma clinica ortopedica que fica bem proximo da escola. Hora do raio-x. Ate entao tudo bem. No momento que o rapaz me deixa sozinha na sala veio o desespero. Como eu conseguiria me virar morando sozinha com um pe so. Queria poder usar um ponto de interrogacao agora, mas o teclado continua nao funcionando... Chorei um pouco, bem baixinho e fiquei me imaginando. Sai dessa sala em uma cadeira de rodas. Quando chegou a hora do gesso eu relembrei meus pensamentos de infancia e passei a achar divertido. Minha irma me levou ate em casa e eu empolgada, cozinhei, comi, tomei banho, ajeitei a casa, lavei a louca e escorreguei numa goticula de agua que caiu na frente da pia... Com isso consegui tirar o gesso um pouco do lugar e os dedos ficaram horriveis de fora! Estava de atestado medico por uma semana, mas precisei ir para a casa da minha irma para terminar um trabalho. Chegou o sabado e decidi que conseguiria ir para Florianopolis de onibus, para passar o fim de semana com meu gatinho, que ja foi um dia sonho-de-consumo... mas essa e uma estoria para outra ocasiao. Resumindo em poucas palavras, passei um otimo fim de semana e voltei para Blumenau. Relutando para continuar sozinha no apartamento, fui obrigada a dar o braco a torcer e me estabelecer temporariamente na casa da minha irma, para ter meu transporte facilitado. E veio a revolta, as lagrimas... na verdade elas so voltaram, pois ja faziam parte da minha vida... Foi dificil aceitar e parar de reclamar. Na verdade sempre reclamei muito da vida, quando tinha somente o que agradecer. Nesses dias, tenho prestado muito mais atencao a minha volta, especialmente nas pessoas que sao, de algum modo, incapacitadas fisicamente. Sei que minha fratura foi minima e provavelmente me recuperarei 100 %, mas isso nao significa que minha vida nao tenha mudado por causa disso. O descaso das pessoas e a situacao mais critica que eu poderia citar. No trabalho mesmo, piadinhas consideradas engracadas para os que as fizeram, me serviram como um trampolim para a tristeza. Comentarios banais sobre eu estar no meio do caminho foram os que mais me magoaram. Sempre fui uma pessoa independente. DENGOSA, MAS INDEPENDENTE. Me corroi os nervos me sentir um estorvo. E por isso tudo, veio a revolta. E depois dela, as lagrimas. E agora, a compreensao. Estou animada porque em exatamente uma semana, irei ao ortopedista mais uma vez e sairei de la tocando meus dois pes no chao. Aguardo ansiosamente. Poder passear pela rua XV, olhar vitrine, provar roupas talvez ou simplesmente voltar a tomar banho em pe... As vezes a gente nao se da conta do que e capaz de fazer. Eu sempre fui muito capaz, mesmo reclamando... De agora em diante, porem, pretendo ser mais capaz ainda, pois manterei meus pensamentos ocupados com planos e pensamentos positivos.
Era isso por hoje. Preciso almocar. Como nao sou tao religiosa assim, vou comer carne em plena quarta-feira de cinzas, que nao esta cinzenta.
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